Dona Maria de Guadalupe Lancastro e Cardenas, filha dos Duques de Aveiro, e Torres Noves, Dom Jorge de Lencastro, e Dona Maria de Cardenas, Duquesa de Maqueda; nasceu em Portugal a onze de Janeiro de 1630. No Reinado de ElRei Dom João IV passou à Côrte de Madrid, onde casou com o Duque de Arcos, e se distinguiu, e brilhou muito com os dotes especiosos da sua formosura, e discrição; e muito mais com as preciosas luzes das grandes virtudes espirituais, e morais com que se adornava. Teve bom conhecimento das línguas Latina, Italiana, Francesa, Inglesa, e muita agudeza, graça, e prontidão em ditos, e respostas.
Na viva guerra, que naquele tempo havia entre Portugal, e Castela, a convidaram para ver uma Comédia, onde se fez um Entremoz Castelhano, em que tratavam mal de palavras, e obras a um Português. Uma das senhoras Castelhanas voltando-se para a nossa Portuguesa, com alegria lhe disse: "Mire Vossa Excelência, como se tratam acá los Portugueses", e a nossa Duquesa lhe respondeu com semblante grave: "Lo que hacen aqui los Españoles a los Portugueses, es burlas; pelo lo que hacen los Portugueses a los Espanholes en la campaña de Alentejo, es deveras".
Foi naturalmente discreta, varonil, liberal, pia, e muito esmoler. Pelos livros da sua Contadoria se liquidou, que em vinte anos distribuiu com esmolas, e obras pias um milhão, e quinhentos, e trinta e seis mil, setecentos, e trinta, e noventa reais; não entrando nesta conta quarenta mil ducados, que deu para a Missão de África, que não permitiu, que fossem lançados em despesa, porque os satisfez das suas joias. Em seus Estados propagou a devoção do Rosário, que se cantava pelas ruas, e mandava perdões, e estandartes com muitas grosas de contas para os Curas repartirem pelos meninos; e estabeleceu renda para anualmente se distribuir pelos pobres da Vila de Torrijos do Estado de Maqueda, fazendo também imprimir muitos livrinhos da Doutrina Cristã, que se repartiam em semelhantes dias pelos meninos, com o sustento aos pobres, ara de melhor vontade acudirem aos divinos louvores. Os ornamentos preciosos, e mais ornatos dos Altares de todas as Igrejas dos seus Estados, e de outras da sua devoção, corriam por conta da sua despesa, e dos trabalho, e merecimento das suas mãos, e criadas. Aumentou mais quatro Curas às Igrejas de Alpujarras do seu padroado, e estado, consignando-lhes rendas, e pediu ao Arcebispo de Granada a confirmação, deixando a seus sucessores libre o encargo de elegerem os Curas, dando-se os lugares a concurso, e oposição, para que as ovelhas tivessem mais, e melhores pastores. Foi devotíssima da Rainha dos Anjos com o título de Guadalupe, e mandou, em sinal da sua escravidão, gravar em seus braços a imagem da Senhora. Debaixo dos pés desta milagrosa imagem, que é um dos maiores Santuário de Hespanha, mandou colocar uma carta de perpétua escravidão da própria letra, e sangue, em seu nome, e de seus filhos Dom João Duque de Arcos, e de Maqueda; Dom Gabriel Duque de Banhos, e aos presente Duque de Aveiro; e Dona Isabel Duquesa de Alvas. Todos os anos rendia a vassalagem da sua escravidão, mandando à Igreja de Guadalupe quatro peregrinos, que vestia, e preparava de todo o necessário para o caminho, com uma especial esmola para oferecerem em seu nome, e de seus filhos, no dia da Natividade da Senhora; e deixou renda para o mesmo dia, em todos os anos, um dos Monges do Mosteiro daquele Santuário oferecer, e pagar o mesmo feudo.
Antes de morrer fundou renda para os Missionário da China, Japão, e Malavar; e sempre foi na Côrte de Madrid, bem-feitora de todos os Missionários, e procuradora dos requerimentos, e despachos das Missões. No testamento com que faleceu, deixou uma herdade no termo de Lisboa para sustento dos Missionários, que passavam ao Oriente. Deixou cinquenta pesos todos os anos sobre as casas em que vivera, para sustentar-se no Império da China um Missionário da Companhia de JESUS; declarando por última vontade, que passaria o Estado de Maqueda a esta Religião para administrar as rendas em benefício das Missões da Índia. Também deixou ao Hospital de Elche um moinho de três pedras para sustento dos pobres da Vila. Fez uma doação para rodas as Quintas-feiras, e outras festas do ano, se acenderem cinco tochas de cera na Igreja do Sacramento da Vila de Torrijos; e renda separada para limpeza da Capela, e do Altar, de Ornamentos, Corporais, e toalhas. Consignou a renda de um juro de setecentos, cinquenta mil maravedis para reparos, e ornamentos das Igrejas do Estado de Maquela, declarando, que todo o seu rendimento aplicara em utilidade, e serviço das Igrejas. Com estas, e outras muitas excelentes obras, e virtudes; com os Sacramentos da Igreja; com repetidos, e fervorosos actos de Fé, Esperança, e Caridade, faleceu preciosamente num Sábado neste dia [9 de Fevereiro] do ano de 1715 na Côrte de Madrid, com oitenta e cinco anos de idade. Jaz sepultada na Capela Mór do Mosteiro de Guadalupe, aos pés da milagrosa imagem da Senhora.
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