31 de jul. de 2019

TRANSLADAÇÃO ÚLTIMA DOS SANTOS MM. CUJOS CORPOS SE VENERAM NO MOSTEIRO DE CHELAS (1 de Agosto)

Neste dia [1 de Agosto], ano de 1604 se trasladaram a última vez para o lugar onde hoje se veneram na Igreja do Mosteiro de Chelas junto a Lisboa, de Freiras Regrantes de Santo Agostinho, os corpos dos Santos Adrião, e Natália, e seus companheiros, e o de São Feliz, todos Mártires, e por todos vinte, e seis; assistindo o Metropolitano de Lisboa Dom Miguel de Castro, e sendo Prioresa Dona Joana da Coluna. 

30 de jul. de 2019

FERNÃO XIMENES DE ARAGÃO (31 de Julho)

Fernão Ximenes de Aragão, Arcediago de Santa Cristina em Braga, natural de Lisboa, filho de Tomás Ximenes, e de Dona Teresa sua mulher, os quais tiveram três filhos, todos do mesmo apelido Ximenes, António, Sebastião, e Fernão: o primeiro fundou em Lisboa o Seminário dos Irlandeses, o segundo passou a Itália, onde estudou Direito Civil, e chegou a ser do Conselho Supremo do Grão Duque de Florença, Presidente da Justiça no Tribunal do Crime, casado com Catarina de Médices, parenta mui chegada daquele Príncipe: o terceiro foi também homem de grande letras, e de singular virtude: imprimiu muito livros espirituais, que se imprimiram repetidas vezes, e em diversas línguas. Foi grande benfeitor da Misericórdia de Lisboa, e dele, como de tal, se faz menção na Relação, que aquela Santa Casa imprime cada ano com os nomes dos seus benfeitores. Faleceu Fernão Ximenes neste dia [31 de Julho], ano de 1604.

28 de jul. de 2019

D. TEOTÓNIO DE BRAGANÇA (29 de Julho)

Convento da Cartuxa fundada pelo D. Teotónio de Bragança. Em 1834 os treze monges e oito leigos que aí viviam "foram expulsos e os bens confiscados e vendidos ao desbarato". O mosteiro foi reconstruído em 1948, por Vasco Maria Eugénio de Almeida, que o devolveu à Ordem Cartusiana. 
Dom Teotónio de Bragança, último filho de Dom Jaime Duque de Bragança, e de sua segunda mulher Dona Joana de Mendonça, estudava na Universidade de Coimbra, assistindo no Convento de Santa Cruz com grande casa, e família, como pedia o sublime da sua qualidade. Sendo de dezoito anos entrou na Companhia de Jesus, e foi nela recebido pelo Padre Mestre Simão Rodrigues, o qual depois de alguns anos o mandou para Roma. Mas como a resolução de Dom Teotónio não fosse muito do agrado delRei Dom João III e menos de seu irmão o Duque Dom Teodósio, por conselho, e aprovação do Patriarca Santo Inácio, veio a largar a roupeta, mas nunca o espírito, nem o fervor da Companhia. O Duque seu irmão lhe deu uma Abadia em Traz-os-Montes; e depois passou a Tesoureiro mór da insigne Colegiada de  Guimarães; depois depois por renúncia do Cardeal Infante Dom Henrique, foi eleito Arcebispo de Évora; e não se podem reduzir a breve compêndio os grandes extremos, de caridade, de zelo, de vigilância, de beneficiência, que obrou naquela amplíssima Diocese. Consigo era parcíssimo, e no vestido, e na mesa, mais parecia Religioso, que Prelado. Rendia então aquela Mitra oitenta mil cruzados, e tudo despendia em esmolas, e em obras magníficas, que fez, e consagrou a Deus. Sucedendo no ano de 1580 haver peste em Évora, e nas terras circunvizinhas acudiu com ardente caridade ao remédio dos feridos, já em pessoa, confortando-os, e ministrando-lhe os Sacramentos, já mandando-lhe dar tudo o que lhe era necessário com liberal mão. Chegaram os enfermos piores ao número de dois mil, e a todos abrangeu com abundância maior, que a necessidade. O mesmo fez na fome de 1597 e na peste de 1599. Mas veio a ficar tão pobre, que se alumiava à mesa com a vela metida numa laranja. Não tendo mais que dois lençóis para a sua cama, mandou dar um para mortalha de um miserável. Destes exemplos se viram nele muitos, dignos por certo dos antigos Padres da primitiva Igreja. Conseguiu, com a autoridade Real de Filipe II que os Monges de Vilanova de Campos lhe dessem uma grande parte do braço de São Manços, primeiro Bispo de Évora, e engastada numa rica pirâmide a colocou com soleníssima procissão na sua Catedral em 12 de Abril de 1592. A mesma deu dois candeeiros de prata, e uma lâmpada do mesmo metal, de tal grandeza, que se lhe chama Montanha de prata. Acrescentou, e ornou o Palácio dos Arcebispos. Fez, e dotou com grande renda um hospital para pobres enfermos. Erigiu o Seminário de São Manços para Colegiais, na forma do Concílio Tridentino. Ordenou com santo zelo uma casa para se recolherem a vida honesta, e virtuosa, mulheres perdidas. Ajudou, e promoveu as fundações de muitos Conventos. Favoreceu todas as Comunidades Religiosas, e com singular afecto aos Padres Carmelitas Descalços, que em seu tempo entraram em Portugal, e teve grande correspondência com Santa Teresa de Jesus, como se vê das cartas da mesma Santa, e ele foi o primeiro, que lhe imprimiu parte das suas obras. Mas, a com que fez a sua memória perdurável, foi o famoso Mosteiro das Cartuxa, fundação sua, situado a pouca distância de Évora para a parte do Norte, uma das mais suntuosas fábricas de Portugal. Ele teve a glória de trazer a este Reino aquela exemplaríssima Religião. Dispendeu neste obra mais de duzentos mil cruzados. À caridade, e beneficiência, correspondia o zelo, e vigilância, com que atendeu sempre ao bem espiritual do rebanho, que lhe fora encomendado: já visitando-o frequentemente, já plantando virtudes, já arrancando vícios, e escândalos, já procurando o aumento da Fé, e abatimento dos inimigos dela. Esta empresa o levou à Côrte de Hespanha a falar a Filipe III a rebater certa pertenção dos Cristão novos. Naquela Côrte (que então estava em Valhadolid, o achou a morte, que teve feliz neste dia [29 de Julho], ano de 1602 com setenta de idade. Seu corpo foi conduzido para Évora, e sepultado no Convento de Santo António dos Capuchos, fóra dos muros da mesma Cidade, em sepultura rasa, que ele mesmo mandou fazer em vida.

27 de jul. de 2019

JURA A UNIVERSIDADE DE COIMBRA DEFENDER A CONCEIÇÃO IMACULADA (28 de Julho)

Neste dia [28 de Julho], ano de 1646. Num Sábado, congregada em claustro pleno a insigne Universidade de Coimbra, se obrigaram os professores de todas as faculdades, debaixo de solene juramento, a seguir, e defender a piedosa sentença da imaculada Conceição da Mãe de Deus; e se assentou, que dali por diante seriam obrigados a fazer o mesmo juramento todos os que quisessem incorporar naquela Universidade: era Reitor dela Manoel de Saldanha, que morreu depois Bispo eleito de Coimbra.

26 de jul. de 2019

CONQUISTA ANTÓNIO CORREIA A ILHA E CIDADE DE BAHAREM (27 de Julho)


Um mapa do ano de 1745, por Bellin, da região
histórica de Baharem
A Ilha, chamada Baharem [Bahrein, Barém], está situada no mar Pérsico, cento e dez léguas distante da Cidade de Urmuz; tem trinta de circuito, e é um fértil, e rica, e nela se faz a pescaria do aljôfar, e pérolas, as melhores, e mais finas de todo o Oriente: era dos Reis de Urmuz, Vassalos da Coroa Portuguesa; mas um Rei vizinho, chamado Mocrim, se levantou com ela, e a mandou fortificar, e abastecer de maneira, que se deu por seguro de todo o poder dos seus inimigos. Acharam-se obrigados os Portugueses a desfazerem esta violência, e reporem a Ilha no estado antigo; foi esta empresa António Correia, nobre Capitão, e de assinalado valor, e levou pouco mais de duzentos homens; com doze mil o esperava Mocrim, de diferentes Nações, Arábios, Persas, e Rumes. Disputou-se o desembarque dos nossos com ardentíssimo furor, mas postos em terra, por baixo de horrendo perigos de água, e incêndios de fogo, investiram a Fortaleza; os inimigos a defendiam com grande esforço, e com lanças de trinta palmos faziam grande estrago nos Portugueses. Aqui disseram a António Correia, que seu irmã Aires Correia ficava morto, e respondeu: "Avante, amigos, dexai-o, que morreu em seu ofício"; e dando novamente Santiago nos infiéis, começaram estes a ceder, e fraquejar, e sendo retirado pelos Cabos principais, que o seguiam, caiu o ânimo aos outros, e se renderam todos à mercê do vencedor. Foi este feito tão ilustre, e tão célebre, e de tanta glória para aquele famoso Capitão, que desde aquele tempo ajuntou ao apelido de Correia o de Baharem, que se continuou em sua nobre descendência.

25 de jul. de 2019

OS SANTOS VICTOR, STERCACIO, e ANTINOGENES, Mártires (26 de Julho)

Neste dia conseguiram glorioso martírio por meio de acérrimos tormentos, na perseguição de Diocleciano, São Victor Soldado, e os Santos Stercacio, Antinogenes, irmãos; todos naturais de Mérida, Cidade da antiga Lusitânia.

22 de jul. de 2019

Sta. SECULINA, Virgem (23 de Julho)

Igreja de Sta. Maria Madalena de Chaviães, antiga Igreja de Sta. Seculina
Neste dia [23 de Julho], na Cidade de Zamora passou da vida temporal à que não tem fim, a gloriosa Virgem Santa Seculina, Monja da Sagrada Ordem de S. Bento, insigne em virtudes, e milagres. 

21 de jul. de 2019

SUBVERSÃO DE UM BAIRRO DE LISBOA (22 de Julho)

Igreja de Sta. Catarina do Monte Sinai, Lisboa 
Aquele monte, onde hoje vemos fundada a Igreja Paroquial de Santa Catarina do Monte Sinai, corria antigamente naquela mesma altura, em que o vemos, até o sítio, onde hoje chega o mar, e na distância do mesmo monte havia grande número de casas, que formavam três formosas ruas; sucedeu, que neste dia [22 de Julho], ano de 1597 pelas onze horas da noite, começou a gritar um homem desconhecido, dizendo, que fugissem todos, porque se subvertia o monte; a estas vozes saíram com efeito os moradores, e se retiraram par a parte da terra, e pouco depois o monte se submergiu com as três ruas, e cento e dez moradas de casas, em que entravam muitas  e muito nobres, e uma calçada, e um cais de pedra, que estavam junto da praia, e tudo isto se sumiu, e desapareceu em um instante, com sumo horror, e terror de todos os que viram.

20 de jul. de 2019

O FAMOSO ANTÓNIO DE GOUVEA. NOTÍCIA DE MANFREDO DE GOUVEA, SEU FILHO (21 de Julho)

António de Gouvea, Português, natural da Cidade de Beja, excelente Poeta, grande Filósofo, e sapientíssimo Jurisconsulto: criou-se desde a primeira idade em França, e estudou na Universidade de Paris, assistindo com seu tio Diogo de Gouvea, Reitor do Colégio de Santa Bárbara: fez tão grande progressos nas Humanidades, que ninguém em seu tempo escreveu, e falou mais puramente Latim, ou fez melhor os versos na mesma língua. Como fosse igualmente capaz para todas as ciências, se fez tão insigne em todas, como se o empreendera ser só em cada uma: aprendeu, e pouco depois ensinou em Avinhão o Direito Civil, onde o famoso Cujacio afirmava: que só este mancebo tinha achado o melhor modo de dar nos sentidos de Justiniano; e que temia, que a reputação do mesmo havia de escurecer a sua própria, pelos tempos a diante: ensinou depois em Tolosa: depois passou ao Piamonte, e subiu a ser Conselheiro do Conselho secreto de Manoel Filisberto, Duque de Saboia, e logrou com aquele Príncipe as maiores estimações: compôs doutíssimos volumes de Direito Civil, em que bem comprovou a felicidade, profundidade do seu engenho. Morreu na Côrte de Turim, neste dia [21 de Julho], ano de 1565.
Deixou um filho, por nome Manfredo de Gouvea, que também foi Conselheiro de Estado do Duque de Saboia Carlos Manoel, e do Senado de Turim; e foi também homem doutíssimo em Humanidade, e Direito Civil, e como tal, escreveu elegantíssimos versos, vários consultos Jurídicos, e excelentes Comentários In Julium Clarum, e outras obras engenhosas; ignoramos o ano, e dia de sua morte. 

19 de jul. de 2019

O Venerável GREGÓRIO LOPES (20 de Julho)

 O admirável, e o prodigioso servo de Deus Gregório Lopes, Português, natural da nobre Vila de Linhares, peregrino da sua Pátria na idade de dezasseis anos, e depois por trinta e três solitário habitador do novo mundo em um retiro de todo o comércio com ele: contemplativo altíssimo, e tão superior aos afectos da natureza, que no meio de intoleráveis dores, nunca se lhe ouviu um "ai". De espírito tão profundo, e recôndito, que o mesmo demónio não podia conjeturar suas operações. Tão perfeito, que por toda sua vida, nem disse palavra escusada, nem nas suas acções se lhe advertiu imperfeição alguma. De tão rara pureza de consciência, que comungava frequentemente, sem receber o Sacramento da Confissão, porque aquela o não acusava de haver cometido acto algum pecaminoso com advertência. De tão rara união com Deus, que por três anos contínuos, a cada respiração dizia interiormente: Fiat voluntas tua; e depois passou a acto contínuo de amor do mesmo Senhor, sem interrupção, ainda quando delineava mapas, por ser muito inclinado a Matemáticas. De gravidade tão admirável, que a todos infundia respeito. De atractivo tão singular, que até os Índios mais bárbaros os entranhavelmente o amavam. Tão ilustrado, que lhe infundiu Deus todas as ciências naturais, e sobrenaturais, com que expôs soberanamente o Apocalipse: sabia toda a Bíblia de memória penetrando os maiores segredos dela, com pasmo dos homens mais eruditos; enfim, um dos maiores prodígios da Divina Graça. Viveu, e morreu com verdadeira opinião de santidade, na solidão de Santa Fé, das léguas da Cidade de México, neste dia [20 de Julho], ano de 1596 com cinquenta e quatro de idade. 

17 de jul. de 2019

O Pe. ANTÓNIO VIEIRA (18 de Julho)


Neste dia [18 de Julho], pela uma hora depois da meia-noite, no ano de 1697 contando noventa de idade, faleceu na Bahia o Padre António Vieira, da Companhia de Jesus, Prégador dos Reis Dom João IV, Dom Afonso VI, Dom Pedro II e sem controvérsia Rei dos Prégadores. Foi Varão digno de memória imortal. Insignemente grande em ciências, e notícias. Assim resplandecia em todas, como se houvera sido Mestre em cada uma. Na arte concionatória, foi sem contradição o Juiz, ou (para que o digamos com mais alta comparação, e mais própria) o Fenix. Seguiu este felicíssimo engenho na estructura dos seus Sermões uma nova ideia, um novo método. Alguns o rastejaram antes: muitos o quiseram imitar depois, mas uns, e outros com aquela diferença, que vai da luz das Estrelas aos resplandores do Sol. Os maiores homens, os mais insignes lhe abaixam a cabeça, e com o dedo na boca lhe rendem a primazia. Se há algum, que diga, ou presuma o contrário, nem é insigne, nem é grande, nem é homem. Não negamos a eminência de muitos Oradores dos nossos tempos (posto, que a negue  a inveja, ou a ignorância) mas estes, tanto excederam aos mais, quanto mais se chegaram a beber das águas desta fonte, a participar dos raios desta luz.

Nos seus Sermões, assim tira os assuntos das entranhas do Evangelho, que vem nascendo dele, e delas, assim os define, os reparte, os veste; assim os funda, os prova, os confirma; assim os exorta, os ilustra, os realça; com tão subidos conceitos, com pensamentos tão novos, tão esquisitos, com reflexões tão agudas, e tão sólidas, com documentos tão altos, com erudição tão vasta, e tão selecta, com frase tão natural, e tão pura,  com tanto asseio sem artifício, tanta gala sem afectação, com tanta vivacidade de engenho, tanta profundidade de juízo, com tanto peso de razões, tão ajustado nas premissas, tão formal nas consequências, tão douto, tão elevado, tão elegante, tão sublime, que deixa absorta, e suspensa a mesma admiração, e transcendem todo o elogia.

Nos pontos mais dificultosos da Teologia especulativa, Moral, Dogmática, e Ascética, usa de termos tão claros, e tão próprios, de exemplos tão naturais, de comparações tão adequadas, e bem trazidas, que se deixa entender facilmente, ainda dos entendimentos mais rudes, ou menos cultivados. Pelo mesmo modo discorre em qualquer das outras ciências, quando chega a tratar delas. Até nas artes mais humildes, e nos empregos mais alheios da sua profissão, fala com tanta propriedade, e miudeza, como se os professara. Nos da guerra, como se fora soldado, nos do mar como se fora piloto, nos do campo, como se fora lavrador, e até nos do jogo (não se pode encarecer mais) como se fora taful.

Na inteligência, e exposição das Escrituras é um prodígio singular: assim ajusta os textos aos seus discursos, que parecem trazidos, ou achados com lume superior. Por onde os outros passaram sem advertência, ali descobre as dúvidas mais agudas, e mais selectas, e as resolve, e desata com tanta proporção ao seu intento, como se só para ele fora feito o texto, e o reparo. Nos ditames da política se remontou com superiores voos; o amor da Pátria, o crédito da nação o constrangeram por vezes a falar em público sobre as novidades do seu tempo, que foram as maiores, que em muitos séculos se viram em Portugal. As mesmas o obrigaram a exortar, e advertir, e, talvez, repreender ao povo, à Nobreza, e até às mesmas Majestades; o que fez com estilo excelso, e sublime, e com tanta valentia, como prudência. Disse as verdades sem temor, mas com tento: soube unir a liberdade com a madureza, a doutrina com a doçura. Nos Sermões panegíricos, abstraindo de exagerações vãs, e de comparações pueris, louva os Santos, engrandece os mistérios com discretísimas ideias, sólidas, bizarras, engenhosas, e a toda a luz admiráveis, e plausíveis. Nos Sermões Doutrinais é um fortíssimo propugnador das virtudes, expugnador dos vícios, valendo-se de argumentos, e consequência tão fortes, e tão suaves, que bastam a vencer, e convencer a obstinação mais cega, a cegueira mais obstinada. E, para que o siga de uma vez, com os seus sermões assim enriquece a memória, assim lisonjeia o entendimento, assim renda a vontade, assim se insinua ao coração, que justamente é, e merece ser tido por um dos maiores milagres do engenho, e agudeza, que já mais viu o Mundo.

Ainda assim houve naqueles tempo quem prégava melhor, que o Padre António Vieira; mas era o mesmo Padre em diferentes Sermões; em qualquer dos seus excedia aos outros Prégadores, em alguns se excedeu a si mesmo. As cinco Pedras de David são cinco riquíssimos Diamantes, com que se coroa no templo da fama o simulacro da agudeza. Os dois sermões da Profissão, e das Exéquias são duas colunas do mesmo templo, gravado nelas o antigo Non plus ultra. No Sermão do Evangelista se remontou como Águia. Aos quatros Juízos do Advento nada chega. O Sermão da Quinquagésima é o o Sermão dos Sermões, e assim outros. Mas que maior prova da excelência deles, que as estimações de todo o Orbe Católico! Foram elas tantas, e tais, que não sabemos, que alguém nos nossos tempo as lograsse iguais, nem semelhantes. Por maiores, que fosse o Templo em que prégava o Padre Vieira, já nele ao romper da manhã não havia quem pudesse romper com gente; concorria toda a Nobreza de um, e outro sexo, concorriam os sujeitos mais graves de todas as sagradas Religiões [ordens religiosas], concorria o mais selecto, e mais luzido do Povo. Ouviam-se as suas vozes com igual silêncio, e admiração de todos: até a mesma inveja emudecia. Na cabeça do Mundo logrou os maiores aplausos. Todos os Cardeais, Prelados, e homens insignes, que seguiam a Côrte Romana o ouviam, como a Oráculo da eloquência. A Sereníssima senhora Cristina Alexandra, Rainha de Suécia, o tratou com singularíssimas expressões de Real afecto, reputando por grande glória ouvir da sua Capela (como ouviu por muitas vezes) um tão afamado Orador; às Nações, e Províncias da Cristandade, aonde não chegou em pessoa, chegou a sua fama, e deu nelas um tão estrondoso brado, que todas procuravam com ambiciosa emulação os seus escritos, e os verteu cada uma no seu próprio idioma. No Português, temos as suas obras reduzidas hoje a quinze tomos. Deseja-se com universal expectação o Clavis Prophetarum. Que ele confessa fora o maior desvelo dos seus estudos. O que é argumento evidente de ser aquela obra um parto incomparavelmente prodigioso, uma joia de preço inestimável.

Este homem tão grande, tão insigne, tão venerado por suas letras, e sabedoria, ainda se fez, e foi maior homem pelo desengano, com que metendo debaixo dos pés as estimações (verdadeiramente vaidades) do Mundo, da Côrte se retirou dela, e dele para o Maranhão, trocando os Palácios, em que eram admitido pelas choças de colmo: a graça, e valia com os Reis, e primeiros Senhores de Portugal, pelo trato com homens despidos, ferozes, e quase brutos: o descanso, e delícias, que puderam lograr, se quisera, por infinitos trabalhos, e perigos: os cargos, e dignidades, que lhe foram oferecidas, por grandes perseguições, e desprezos, a que se sacrificou, e padeceu, sem outro fim, ou interesse mais que o de salvar almas daquela numerosa, e inculta gentilidade. Vários acidentes (que não são do nosso assunto) o trouxeram a Portugal, e o levaram a Roma, donde voltando outra vez a Portugal, se retirou finalmente par ao Brasil, fazendo, como novo Sol, um perfeito círculo tão luzido como dilatado.

16 de jul. de 2019

O Pe. Fr. JOÃO DA SILVEIRA, Carmelita (17 de Julho)

Resultado de imagem para ordem do carmoNeste mesmo dia [17 de Julho], em uma Quinta-feira, ano de 1687 com mais de noventa e seis de idade, morreu no Convento de nossa senhora do Carmo de Lisboa, o insigne Padre Fr. João da Silveira, ilustríssimo ornamento da Religião Carmelitana, da Nação Portuguesa, do Orbe religioso, e literário. Foi natural da mesma Cidade, filho de Fernão Lopes Lisboa, e de sua mulher Catarina Fernandes. Depois de ler muitos anos Teologia, escreveu, e imprimiu dez tomos; seis de Exposição dos quatro Evangelhos, dois sobre o Apocalipse; um dos Actos dos Apóstolos; outro de vários opúsculos. Todos são doutos, e tão estimados na Europa Católica, que em todas as suas principais oficinas tem sido impressos muitas vezes. Também se imprimiram dois Sermões seus, um de Exéquias do Príncipe Dom Teodósio, outro da Canonização de Santa Maria Madalena de Pazi. Deixou M. S. um tomo da Encarnação, outro de Leis, outro de Filosofia, e um Tratado da Imunidade Eclesiástica. Não vinha a Lisboa pessoa de especial nota, ou de dentro, ou de fora do Reino, que logo não fosse ao Carmo, ver a um homem tão sábio, e egrégio como o Padre Silveira. Não o foi menos no exercício das virtudes. Não ofendeu a da Castidade em toda a sua vida. Na humildade foi raro; não quis ser Prelado; só por obediência aos seus Padres Gerais aceitou ser Presidente de três Capítulos Provinciais; e no Geral, que em Roma se celebrou no ano de 1660 o condecoraram com os privilégios de Padre da Província, e fizeram Definidor perpétuo da Ordem. Na pobreza foi tão singular, que tendo mil cruzados de renda cada ano, que lhe deixou sua irmã a Baronesa Dona Beatriz da Silveira, de quem já falamos em outra parte [5 de Fevereiro]; e recebendo grandes productos dos seus livros, tudo empregou em obras Santas, e sagradas do seu Convento, e se tratava como verdadeiro pobre, não tendo outras alfaias mais, que uma Cruz de pau, uma banca, uma cama, e duas cadeiras velhas. Ainda assim alguns furtos lhe fizeram da sua cela, quais foram levarem-lhe algumas vezes (pessoas graves que o visitavam) o tinteiro, e as penas, com que escrevia, como joias preciosas, dignas de imortal memória. Na sua sepultura se lê o seguinte epitáfio:

Siste Lector.
Hic Jacet
Carmeli doctissimus Doctor, 
Sapiens, & humilis,
Pauper, sed magnanimus.
PATER SYLVEIRA.
Libris incubens, Deo impensius
Studuit, scripsit, composuit:
Nil habens Litteris preciosius
praeter virtutem.
Nobis exempla, Lisiae decorem,
Famam aeternitati relinquens, 
Sictus vixerat, mortuus est
In osculo Domini:
Ne discedas, quin dicas
Requiescat in Pace.
Obiit 17. Julii, Anno 1687.

15 de jul. de 2019

O VENERÁVEL ARCEBISPO D. Fr. BARTOLOMEU DOS MÁRTIRES (16 de Julho)

Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, foi natural de Lisboa, Religioso da Sagrada Ordem dos Prégadores, e um dos mais excelentes Varões, que ela teve desde os seus primeiros fundamentos: foi insignemente Grande, assim na Compreensão das ciências, como no exercício das virtudes; apesar de extraordinárias diligências, que fez, por não sair do sossego da sua cela, o nomeou a Rainha Dona Catarina (Regente, então, do Reino) Arcebispo de Braga, e naquela excelsa Dignidade, deu tão ilustres provas de zelo, de vigilância, de beneficiência, e de amor, e caridade Pastoral, que renovou os heroicos exemplos, e nobilíssimas acções dos primitivos Padres da Igreja; contente com o preciso trato, e sustento para si, e para um curto número de Capelães, e criados, tudo o mais das suas rendas era dos pobres. Visitou por vezes o Arcebispado, não para tosquiar as suas ovelhas, mas para lhe dar o pasto espiritual da doutrina, e também o material, remediando com grossas esmolas, aos que achava necessitados: chegou a partes, onde nunca havia chegado outro algum Arcebispo, porque se dilatavam muito mais, que os longes das terras, os espaços da sua caridade. Gostava de prégar, e ensinar, e ministrar os Sacramentos aos pobrinhos do campo, humilde com os humildes; mas desses Prelados que Deus, pois não escolheu para fundamento da sua Igreja as altas qualidades, senão as humildades profundas. Foi ao Concílio Tridentino, e fez a jornada sem vãs ostentações, que só servem à vaidade, em detrimento da pobreza: onde havia Convento da sua Religião [Ordem Dominicana], nele ia pousar, com um companheiro do seu hábito, deixando a hostiária os poucos criados, que o acompanhavam, e sucederam-lhe alguns casos galantes, porque talvez dava com Prelados, que não gostavam de hóspedes, ou eram menos cuidadores do trato deles, donde nascia levar algumas más respostas, e piores ceias; mas essas mesmas desatenções, e desprezos à sua pessoa, era o seu prato mais regalado: se depois o conheciam, e lhe pediam perdão (como sucedeu muitas vezes) então os abraçava com terníssimas demonstrações de afecto, e instava, em que não havia de admitir singularidades, declarando com muitas veras, que só se alegrava, e dava por bem agasalhado, quando o tratavam como a qualquer Frade particular da sua Ordem. No Concílio foi logo conhecida, e admirada a sua pessoa, e ouvido como trombeta do Céu, porque facilmente se divisava nele um desejo ardentíssimo do bem comum da Igreja, sem atenção alguma a respeitos particulares: quando lançava o seu voto, todos o escutavam com profundo silêncio, e já sabiam, que havia de votar sem carne, e sangue. Tratando-se do modo, que era bem se reformassem as partes do corpo místico da Igreja, se ia passando  em claro o sagrado Colégio dos Cardeais, como se nenhuma relaxação pudesse subir tão alto; mas ele, com semblante inteiro, e severo, e com os olhos, e coração em Deus, e no bem comum da Cristandade, e na reputação do mesmo Concílio, disse: Os Reverendíssimos, e Ilustríssimos Cardeais (não tinham até então maior tratamento)  hão mister uma reverendíssima, e ilustríssima reforma. Assim votava geralmente em todas as matérias; passou a Roma, e recebeu grandes honras do Sumo Pontífice Pio IV e o mesmo Pontífice conferia com ele as dependências públicas, e gravíssimas, que ocorreram por aqueeles tempos: deu-lhe por muitas vezes a sua Mesa, e lhe fez outros singularíssimos favores. Voltando a Portugal, teve uma boa ocasião de mostrar o quanto zelava as preeminências da sua Primazia, porque com a Cruz Primacial arvorada atravessou por toda Hespanha, e pela mesma Cidade de Toledo, e Côrte de Madrid. Restituído à sua Igreja tratou de praticar nela as disposições do Concílio, e a esse fim convocou Sínodo, e nele estabeleceu santíssimas leis, e arrancou antigos abusos, emendando, e castigando vícios, mas sempre com mais suavidade, que rigor; erigiu o nobre Seminário de Braga, e um Colégio para a Religião da Companhia na mesma Cidade, e um Convento na Vila de Viana para a sua Religião, no qual se recolheu pouco depois, renunciando a Dignidade, cansado já de tantas fadigas, e querendo viver também para si algum tempo: ali, como se entrara a ser Noviço, começou a seguir a vida comum, e a exercitar-se nos empregos mais humildes da Ordem, quanto os achaques, e os anos lhe davam lugar: não perdeu o costume inveterado de dar esmolas, e vez houve, em que chegou a dar a própria cama, ficando dormindo por algum tempo nas tábuas: viveu neste seu Convento oito anos, e tantos teve de preparação próxima para a morte, sucedida  santíssimamente neste dia [16 de Julho], ano de 1590. Com setenta e seis de idade: Jaz no mesmo Convento de Viana com gerais aclamações de Santo. 

13 de jul. de 2019

SUPRIME-SE O CABIDO DA IGREJA CATEDRAL DE LISBOA, E SE ERIGE NOVA FORMA DE SERVIÇO NA MESMA IGREJA (14 de Julho)


O Santíssimo Padre Benedicto XIV por uma Bula, que principia: Ea, quae Providentiae nostre, &c dada em Roma neste dia [14 de Julho], ano de 1741 suprimiu o antigo Cabido, Dignidades, Canonicatos, Quartanarias, e Capelanias da antiga Igreja Catedral de Santa Maria de Lisboa, dando faculdade ao Cardeal Patriarca de Lisboa para erigir com conselho, e consentimento delRei, vinte e oito Cónegos, vinte Beneficiados, e dezoito Clérigos Beneficiados, tudo do Padroado Real; e de poder dispor o modo do serviço, e governo da dita Igreja, como parecesse ao mesmo Patriarca com o conselho delRei; e assim se executou pontualmente. 

12 de jul. de 2019

JOÃO TAVEIRA DE LIMA (13 de Julho)


João Taveira de Lima, Cavaleiro da Ordem de Cristo, havendo começado a servir na Cavalaria na guerra da feliz aclamação, continuou sempre o serviço, depois de sete anos de soldado, nos postos de Alferes, Ajudante, Capitão, Ajudante de Tenente, Coronel, e Governador da Praça de Monçam na Província do Minho, com patente, e soldo inteiro de Brigadeiro. Faleceu na mesma Praça neste dia [13 de Julho], ano de 1738 em idade de cento e oito anos, três  meses, e dois dias, havendo nascido em 11 de Abril do ano de 1630. Foi sepultado na Igreja da Misericórdia da mesma Vila, onde tinha prevenido o seu jazigo. 

11 de jul. de 2019

Sta. MARCIANA, UMA DAS NOVE IRMÃS (12 de Julho)


Santa Marciana, uma das nove irmãs Bracaenses, foi martirizada em Toledo, e sendo a última das nove, que deu a  avida em obséquio da Fé, não foi a última na glória de merecer, e conseguir, pela tolerância de esquisitos tormentos, a coroa luzidíssima de Mártir, e pelo incontaminado da pureza, a palma sempre frondeza de Virgem. 

10 de jul. de 2019

S. BENTO, S. JOÃO, e Sto. UDON (11 de Julho)


São Bento, Saõ João, e Santo Udon, foram Portugueses, viveram retirados do mundo, nas margens do rio Lima, em sítios naquele tempo de grande aspereza, e solidão; floresciam pelos anos de 800 e desde então os veneram os Fieis, e como a Santos lhe levantaram várias Ermidas na Província de Entre Douro e Minho, onde celebram neste dia [11 de Julho] com públicos cultos a sua memória. 

9 de jul. de 2019

CHEGA A LISBOA A NOVA DO DESCOBRIMENTO DA ÍNDIA ORIENTAL (10 de Julho)


No mesmo dia [10 de Julho], ano de 1499 entrou pelo Rio de Lisboa a nau de Nicolau Coelho, um dos três Capitães, que foram ao descobrimento da Índia, havendo dois anos, e dois dias, que haviam levado âncora do mesmo Rio. Vasco da Gama se deteve na Ilha terceira, por assistir a seu irmão Paulo da Gama, que vinha mortalmente enfermo, e ficou sepultado na mesma Ilha; foi grande o alvoroço, e alegria de toda a Côrte, e Reino, com a chegada de Nicolau Coelho, e depois muito mais com a de Vasco da Gama, como diremos em seu lugar. 

7 de jul. de 2019

PARTE VASCO DA GAMA AO DESCOBRIMENTO DA ÍNDIA (8 de Julho)

Neste dia [8 de Julho] em Sábado, ano de 1497 partiu Vasco da Gama da barra de Lisboa a descobrir, por mares nunca de antes navegados, a remotíssima região do Oriente; empresa, que os homeens mais Sábios reputavam impossível; mas vence a impossíveis um coração valeroso, e destemido! Com três navios, de que eram Capitães o mesmo Vasco da Gama, e seu irmão Paulo da Gama, e Nicolau Coelho, e cento e setenta companheiros, se deu princípio àquela tão incerta, como perigosa navegação. Concorreu na despedida, às praias de Belém grande número de nobreza, e povo. Ali foram infinitas as lágrimas dos que iam, e dos que ficavam, nascidas da saudade, e do temor, e dos vários, e tristes pensamentos, que naturalmente ocorriam em caso tão novo. Estremeceram-se os corações de uns, e outros, ao tempo que os marinheiros, despregando as velas, deram a sua costumada salva de Boa Viagem; os que ficavam em terra alongavam os olhos pelas ondas, em seguimento dos navegantes; estes, não os podiam apartar da amada Pátria, e uns, e outros estavam como atónitos, em profunda, e medrosa suspensão, até, que a distância separou as vistas, não assim os corações.