Sto. António de Lisboa (fonte) |
Neste dia [13 de Junho], ano de 1231 chegou em Pádua ao seu ocaso, o Sol nascido em Lisboa, abreviando no seu curso de trinta e seis anos, acções e maravilhas, que não cabem em muitos séculos. Na primeira idade, se criou debaixo da tutela, e à sombra da Mãe de Deus , e mereceu receber da celestial Princesa, como filho, amorosos favores, como aluno, altíssmas direcções. Fugindo das tempestades da vida secular, se acolheu ao porto da Religião, e recebeu o hábito no Real Convento de São Vicente de Lisboa. Mas desejando apertar mais consigo, e apartar-se mais dos seus, se transferiu para Santa Cruz de Coimbra, Conventos insignes, um, e outro, da Sagrada Congregação dos Cónegos Regulares de Santo Agostinho em Portugal; em um, e outro, lançou os profundos alicerces ao alto edifício de santidade, que depois havia de encher o mundo de exemplos, e de admirações. Passados alguns anos, entraram por Coimbra as sagradas relíquias dos cinco Mártires da Religião Seráfica, que em Marrocos haviam padecido, pouco antes, glorioso martírio. Ainda respiravam aquelas cinzas incêndios, e sendo corpos desanimados, influíram em Santo António (Fernando se chamava então) tais ardores, que mudando de nome, e de profissão, se passou à Sagrada Ordem de São Francisco. Fervorosas ânsias de Sacrificar a vida, em obséquio da Fé, o levavam a África, e uma perigosa tempestade, sobre uma perigosa doença, o fizeram arribar a Sicília; mas nem por isso deixou de merecer, quanto era da sua parte, a coroa de Mártir, fazendo-o Mártir no desejo, o ardentíssimo desejo do Martírio. Passou à Cidade de Assis, a ver o seu Santo Patriarca, e viu nele um novo, e claríssimo espelho de todas as virtudes. Revia-se também amoroso Pai, no já amado filho; porque divisava, e previa nele, por entre as sombras da humildade, preciosíssimos talentos de santidade, e sabedoria, aprendidas ambas em escola superior. Mandou-lhe que lesse Teologia, e foi o primeiro, que na sua Religião dictou aquela Rainha de todas as ciências, em grande glória sua, e também de Portugal; porque sendo tantas, e e tão esclarecidas, as estrelas, que resplandeceram em todos os tempos, no Céu daquela sapientíssima Religião, foi o nosso Português Santo António, o Sol, que precedeu, e presidiu a todas. Ao mesmo tempo começou a prégar, e começou a converter, e admirar o mundo. Era imponderável o trabalho, e fervor, com que se aplicava a servir, e a merecer. Estudava, e ao mesmo tempo compunha, dictava da Cadeira, prégava do Púlpito, assistia no Cofesssionário, acudia ao Coro, e às outras ocupações domésticas, e discorria de uns lugares a outros, em serviço da Fé, em obséquio da Caridade. Esta foi, sem dúvida, a razão, porque logrou a grande prerrogativa, de assistir ao mesmo tempo, em lugares diversos, e distantes, como muitas vezes lhe sucedeu. Eram as suas obras muito do agrado do Senhor, e para que multiplicasse as obras, o multiplicava, e reproduzia o Senhor em muitas partes. Concorriam Cidades inteiras a ouvir os seus Sermões; ainda nos dias de trabalho, se fechavam as oficinas, como se fosse dia Santo: Não cabiam os ouvintes nas Igrejas, e apenas cabiam no campos: passavam muitas vezes de trinta mil. Acompanhava a torrente das palavras, com outra de maravilhas. A sua voz era percebida de todo o Auditório, sendo, que pela multidão, ficavam muitos em tanta distância, que não podia lá chegar naturalmente. Eram os ouvintes de Nações, e línguas diversas, e prégando o santo em uma só, todos o entendiam na sua. Por vezes, fez, que os brutos arguissem de mais brutos, a muitos racionais, já prostrando-se a adorar o Sacramento, já unindo-se a ouvir a palavra de Deus. Com os exemplos da sua vida, eram também sem número as conversões. Nos hereges achava maior resistência, como gente mais cheia de presunção. Mas a golpes de eficazes razões, solidamente fundadas na Escritura, os batia, e abatia de modo, que, ou se rendiam obedientes à verdade, ou se retiravam cheios de confusão; por esta causa foi chamado o Martelo dos hereges. Teve também suas contentas domésticas, e não menos perigosas; mas é virtude heroica zelar sobre a casa de Deus. Era Geral da Ordem Frei Elias, sucessor do Seráfico Patriarca, porém não do seu espírito: tentou relaxar em algumas coisas, o rigor primitivo da Santa Regra. Havia por aquele tempo (como sempre_ gravíssimos Varões na Religião dos Menores, mas não havia entre eles, quem saísse a campo em defensa da sua Religião. Tomou Santo António sobre si, esta grave empresa: o Geral era Elias no nome, ela o era no espírito; mas temperando os ardores do zelo, com os dictames da prudência, e da humildade, se ouve de maneira, que sem ofender as obrigações de súbdito, ficaram em seu vigor as leis. Prosseguia na cultura das almas, e não cessava de as encaminhar por todos os modos, ao fim da perfeição: Quando não prégava, escrevia, admirável igualmente, língua, e na pena. Era versadíssimo nas sagradas letras, tão estudioso delas, que sabia toda a Escritura de cór, e como Santo, enfim, por todos os títulos, de felicíssima memória. Foi o primeiro, que deu no utilíssim invento das concordâncias, e fez umas, que correm impressas de textos para diversos assuntos. Compôs Sermões de Santos, e de todas as Domingas, e outros muitos devotíssimos tratados, sobre diversas matérias. Foi, enfim, um Oráculo de celestial sabedoria, aprendida na escola da Oração. Ouvindo-o prégar o Papa Gregório IV lhe chamou Tesouro das letras sagradas, e Arca de Testamento. Recebia cada hora, este terníssimo Português. favores também terníssimos do Céu. Baste, para exemplo, aquele caso singular, quando o mesmo Deus feito homem, em forma de Menino, veio colocar-se em seus braços, reclinar-se em seu peito. Se nos Anjos pudesse haver inveja, invejariam sem dúvida, tão grande felicidade. Nem eles sabem compreender a torrente de de´líias, e carícias, que bebeu em tão doces laços, em abraços tão suaves, aquele amoroso, e ditoso coração. Coroado de tão insignes merecimentos, recreado com tão celestiais soberanos favores, prevendo o dia da sua morte, e prevenido para ela com os Santos Sacramentos, entre docílissimas saudades, ardentes, e amorosas jaculatórias, passou da vida mortal à eterna, neste dia [13 de Junho] ano de 1231 tendo de idade trinta e seis, menos dois meses, e dois dias; dos quais viveu os primeiros quinze em casa de seus Pais; dois no Convento de São Vicente de Lisboa; oito, e alguns meses, em Santa Cruz de Coimbra: Dez, com mais sete meses, na Religião de São Francisco. Quiseram os Frades encobrir a sua morte, receando tumultos; mas os meninos da Cidade de Pádua guiados de impulso superior, saíram clamando pelas ruas, e dizendo, que era morto o Santo; como a tal o tratou, e venerou toda a Cidade, e foi levado em Procissão soleníssima com festas, e músicas alegres, à sepultura, que lhe deram em uma arca de pedra, que naquele dia foi descoberta (como preparada pelo Céu) com admiração universal; porque se achou ser obra dos Santos Mártires, a que a Igreja chama, os quatro Coroados; os quais foram insignes escultores, e por não quererem fazer estátuas de Ídolos, padeceram Martírio. Neste venerável, e estimável sobre, foi depositado o milagroso Cadáver. É Santo António um dos mais famosos, e milagrosos Santos da Igreja. Em toda a Cristandade, apenas se achará Templo, sem Capela sua própria, ou ao menos, sem imagem sua. Em Roma, lhe tem tanta devoção, que em seu dia, a maior parte dos moradores, indo ao Convento de Ara Caeli visitar a sua Imagem, e invocar a sua proteção, sobem de joelhos a escada do mesmo Convento, sendo esta de cento e vinte e oito degraus. Em toda Itália é chamado, por antonomásia, o Santo: outros acrescentam: O Santo dos milagres; e eu acrescentara: O milagre dos Santos: porque tantas acções tão sublimes, tantas virtudes tão heroicas, tão raras, e tão esquisitas maravilhas, sem dúvida o repõem em Classe eminente, em esfera superior.
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