Corria o felicíssimo ano de 1500 (felicíssimo pelo caso que imos a referir) quando Pedralves Cabral, ilustre, e valeroso Cavaleiro, navegava de Portugal para a Índia numa poderosa Armada, e sobre quase um mês de navegação, (...), descobriu neste dia 24 de Abril (em que então caiu a segunda Oitava da Páscoa) uma nova terra, (...). Ao longe divisavam os venturosos navegantes altíssimas serras, repartidas em diferentes figuras, a que serviam as nuvens de faxa, que as cingia. A meia vista apareciam distintos, o verde dos arvoredos, o eminente dos montes, o espaçoso dos campos, por extremo alegres, e aprazíveis. Mais ao perto se viam claramente alvejar as formosas praias, e nelas em grande número as barras, e os rios, e aquelas com o seguro das suas bocas, estes com o estrondo das suas águas, quebradas nos penedos, parecia, que estavam chamando os novos hóspedes, para que fosse lograr de tanta delícia, e formosura. Certo já em que era verdadeira terra a que viam, se deram justamente os parabéns de tão importante (...) descobrimento, de que logo Pedralves Cabral mandou aviso a elRei Dom Manoel, em cujo tempo chegavam à Corte de Lisboa umas, e outras as novas felizes, e alegres; Posto que então senão considerou tão importante este descobrimento, quanto depois mostrou a experiência; é a América uma nova parte do Mundo, ou um novo Mundo à parte; Abraça quase dez mil léguas no já descoberto de Castela, e Portugal; ignorada por tanto séculos da experiência dos Pilotos, e do estudo dos sábios ainda se lhe não penetrou o interior, cortado daquelas admiráveis serranias, a que os Castelhanos chamaram Cordilheira, que por longíssimo curso dilatam a sua extensão, proporcionada a sua altura, espantosamente inacessível ao voo das mais ligeiras aves, e isenta dos vapores da terra, e das inclemências do ar, superior às suas, e aos ventos, e a todas as impressões meteorológicas; Na maior força deles, e delas, goza de Céu sereno, fazendo verdadeiro o fabuloso Olimpo. Os Pirenéus, e os Alpes são Pigmeus, à vista destes grandes corpos: Os que sobem a eles pisam nuvens do meio para cima, e quando chegam ao cume, parece-lhe, que andam as mesmas nuvens sobre a terra. Este grande corpo da América estende dilatadíssimos braços, um o rio das Amazonas ao norte, outro o rio da prata ao Sul, com que cinge, e abraça aquela vastíssima região, a que chamamos com muito próprio, e não menos pomposo nome, a Nova Lusitânia: A terra é um pintado mapa sempre verde, sem que já mais se desarme a tapeçaria, de que a vestiu a natureza, porque conservam todo o ano a folha dos seus arvoredos, e vê-se já levantada em oiteiros, já estendida em campinas, povoada de bosques, abundante de pastos, retalhada de fontes, e rios, sempre a mesma, e sempre varia. As suas águas são mais puras, e cristalinas, tanto as do mar, como as dos rios; em muita distância da praia se estão vendo no fundo distintas as conchas, e as áreas. As árvores são de tão desmedida estatura, que parece caminham com as pontas a romper as nuvens, a grossura a esta proporção. Não é menor nelas a utilidade, que a corpulência, antes são todas utilíssimas para os usos humanos; Tais são os Cedros, os Angelins, os quase Evanos, os Jaracandás, os Brazis, os Bálsamos, os Copaibás, os Cajus, e outras. As ervas, e as plantas, são infinitas na diferença, e admiráveis nas propriedades: Entre outras, é singular a erva, que chamam Viva: Em lhe tocando na ponta de um de seus ramos, logo toda ela, e todos eles, (como mostrando sentimento) se murcha, e encolhem de repente, até que, passada a primeira cólera, tornam em si, e se estendem, e dilatam os ramos, como dantes. Também é admirável a erva, chamada da Paixão, cuja flor representa a Cruz, as cinco Chagas, a Coluna, a Coroa, o molho dos açoutes, e os três cravos. Os frutos, por extremo saborosos, não são, (como nas outras terras) tributo anual, senão sucessivo, e perene, porque quando se vão sazoando uns, já vem nascendo outros. As flores, ainda que geralmente, cedem às da Europa em fragrância, excedem em formosura: Assim as aves, não são tão destras, nem tão suaves na música, mas são muito mais bem pintadas, e mais vistosas. Os gados são imensos, e em muitas partes se matam, só para lhes aproveitarem as peles, de que se fazem grandes carregações. Mas as carregações maiores, e de maior preço, são as dos açúcares, e tabacos, drogas tão estimadas, de que tanto abunda o Mundo novo com inveja do antigo; Ainda este a tem maior às preciosas minas, de que aquele se vê enriquecido pelo Autor da natureza; Podemos dizer daquela terra com muita propriedade, que tem as entranhas de ouro, e os torrões de açúcar. Os ares são tão puros, que nunca deram entrada ao mal da peste, e observam um tal temperamento, que não se percebem as rigorosas diferenças de Verão, e do Inverno, este mais se conhece pela chuva, que pelo frio. Começa aquele em Setembro, este em Março. São iguais os dias, e as noites com brevíssimos crepúsculos. Na parte do céu, que lhe fica dominante, logram os olhos a bizarra vista, e benévola influência de luzidíssimas estrelas, entre as quais é admirável um Cruzeiro, que se compõem de quatro, e outra mais, que lhe forma o pé. Brasão, o mais nobre do hemisfério Antártico, guia segura dos navegantes, delícia, e enleio dos olhos. É habitada esta vastíssima Região de várias Nações de Índios em tanto número, que se podem comparar as folhas das árvores: São gente fera, e bruta, que vive ao som da natureza, quase se rasto de humanidade, sem arte, sem polícia alguma, mais parecem brutos em pé, que homens racionais. São de estatura proporcionada, a cor tira a vermelha, o cabelo corredio. Andam nus, e a sua maior gala consiste em muitos buracos, que fazem no rosto, em que costumam trazer pedrinhas de várias cores. Não cultivam a terra, e vivem do que caçam, e pescam, com que toda a sua riqueza consiste nos seus arcos, e flechas, em que são destríssimos à maravilha. Vagam de uns lugares a outros, não se detendo em algum mais, que em quanto nele acham, que comer. Andam umas nações com outras em contínuas guerras, e se comem uns aos outros, sendo a carne humana o seu mais apetecido manjar. Não tem fé, nem lei, nem Rei, e observou-se como cousa mui notável, que lhe faltam na sua linguagem (que não deixa de ser fecunda, e eloquente) as três primeiras letras desses nomes. Não conhecem, nem adoram Deidade alguma, tem somente uns escuros vestígios de uma excelência superior, a que chamam Tupá, que quer dizer estrondo espantoso. Também tem alguns vestígios da imortalidade d'alma, e de pena, e glória na outra vida. Os que se sujeitam à doutrina dos Europeus, e se fazem domésticos (como se mudaram de natureza) saem valorosos, e prontos para qualquer emprego, civil, ou militar. Não se sabe o princípio destas gentes, e tudo passa em opinião; Tem sua probabilidade, a que diz, que descendem das dez Tribos dos antigos Judeus, desterrados em tempo de Oseias, e mostram muitos dos seus costumes, porque usam da circuncisão, casam com as viúvas de seus irmãos, são dados a superstições, e são geralmente covardes, e mentirosos. Acresce uma rara circunstância, qual é chamarem
Parecè a certa festa, que fazem cada ano, como os Judeus chamavam
Pareceves, a outra que também faziam. Dilata-se a Nova Lusitânia por mil duzentas léguas de costa, estendidas para o Sertão a duzentas, trezentas, quatrocentas, e mais, não habitadas até agora de Europeus, posto que fecundas de gentilidade. Compreende quinze vastíssimas Províncias, a que os Portugueses chamam Capitanias, cada uma bastante a formar um Reino maior, que o maior da Europa. De todas damos notícia nos dias a que pertence. A este, pertence a do Porto Seguro, que foi a primeira, que descobriu Pedralves, e lhe deu o nome. Está situada esta Capitania, ou Província, e a sua povoação Capita em dezasseis graus de altura, e se dilata em cinquenta léguas de costa. ElRei Dom João III a deu a Pedro de Campos Tourinho, natural de Viana, o qual com numerosa família a foi povoar. Por sua morte ficou a uma filha sua, a quem a comprou o Duque de Aveiro, Dom João de Alencastre; Depois a deu Filipe IV (que então dominava em Portugal) a Dom Luiz de Alencastre, neto do mesmo Duque, com título de Marquesado. A terra é por extrema fresca, e abundante, vestida de frondosos arvoredos, regada de caudalosos rios; de suas matas se colhe a maior quantidade de pau-Brasil, e dos mais fino de toda a América.