19 de jan. de 2019

NAUFRÁGIO DA NAU SÃO PAULO (20 de Janeiro)

Ilha de Sumatra

Fluctuava na costa da Ilha de Samatra [Sumatra] a nau São Paulo, em que navegavam na volta de Maláca perto de oitocentos Portugueses; e sobre largo tempo de trabalhosa viagem, ao entrar na noite deste dia, ano de 1561 se vieram abarbados com terra, por causa da corrente das águas, e da fúria do vento, que não bastaram os maiores esforços da diligência, e arte, para escaparem ao eminente perigo, que os ameaçava. Crescia o travessão, e as águas levavam a nau com furioso ímpeto, e sem remédio deram à costa. Nesta fatal consternação, sendo o perigo tão urgente, ainda era maior a confusão, e o assombro. Muitos se lançaram ao mar, buscando cegamente a morte nos desejos de salvarem a vida, que perderam, já oprimidos das ondas, já retalhados nos recifes. Repontou a manhã, e se acharam junto de uma Ilha deserta, na qual desembarcaram servindo-se do esquife: e logo, aproveitando-se das relíquias da nau, que o mar lhe oferecia, se aplicaram a fazer três batelões, em que pudessem salvar-se. Começaram a faltar os mantimentos, e a crescer a fome, e com ela a desesperação. Foi preciso deterem-se mês e meio naquela Ilha, onde morreram oitenta, e acabadas de formar as três embarcações, se meteram nelas trezentos e sessenta, que não cabiam mais; ficando os outros na única esperança de passarem (como fizeram) à terra firme, e seguirem por ela o rumo dos navegantes. Nesta repartição sucederam casos lastimosos. Navegavam uns, e caminhavam outros, sempre à vista, quanto sofriam os tempos, e as praias, até que encontrando aqueles com algumas embarcações de Mouros, as investiram, e renderam, sobre dura peleja, e recebendo nelas os companheiros, foram dar nas terras do Rei de Menacabo, no qual, entre aparências de amigo, acharam efeitos de traidor; e sendo mortos em uma noite à espada mais de sessenta, os restantes se acolheram às embarcações, e vencidos outros muitos trabalhos, e perigos, aportaram finalmente em Malaca.

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