24 de abr. de 2019

VITÓRIA DE TRANCOSO (25 de Abril)

Muralhas de Trancoso
Intentava ElRei Dom João I de Castela entrar em Portugal, com poderoso exército para ressarcir a perda de gente, e reputação, que havia padecido do cerco de Lisboa. A este fim mandou ajuntar as tropas de todo o seu Reino, conduzidas por senhores da primeira qualidade; e uma boa parte delas impaciente da dilação, entrou logo pela província da Beira, e chegou até Viseu, Cidade  aberta, e sem presídio, e nela, e em muitas Vilas  e lugares, fizeram os Castelhanos grandes destruições, mas com mais utilidade que honra, porque o haviam com gente popular, e desarmada. Assistiam na Beira, por aquele tempo, dois ilustres Cavaleiros, que por leves causas viviam encontrados entre si, em grande prejuízo da defensa da mesma Província. Um era Martim Vasquez da Cunha, que governava a vila de Linhares, o outro era Gonçalo Vasquez Coutinho que governava a Trancoso. Estes eram os que, por caprichos particulares, persistiam teimosamente divididos, sem atenção ao dano da República [coisa pública]. Entrou, porém, João Fernandes Pacheco, Cavaleiro não menos ilustre, que os dois, e mais prudente que ambos, a mediar entre um e outro, e conseguiu a concórdia, mas com a condição de que Gonçalo Vasquez precederia no mando, em que cedeu generosamente o Cunha, ficando por isso mesmo mais airoso: porque se ambos venceram os inimigos, ele, antes dessa vitória, conseguiu outra maior, quando se venceu a si. Ajuntaram velozmente trezentas lanças, e alguma gente de pé, a que uniram bom número de lavradores, mais para fazerem vulto, do que corpo. Com este poder se resolveram a esperar os inimigos num lugar distante quase meia légua da Vila de Trancoso. Marchavam os Castelhanos naquela volta, bem descuidados do grande mal, que os esperava. Eram quatrocentas lanças, duzentos ginetes, e bom número de besteiros, e homens de pé. Traziam setecentas cargas de cousas mais preciosas, que haviam saqueado, e muitos Portugueses homens, e mulheres, que levavam prisioneiros. Encontraram-se em tal forma, que nenhuma das partes podia furtar-se ao perigo (o que os Castelhanos intentaram) vieram, enfim, às mãos, e se travou uma asperíssimas batalha. Os nossos lavradores mais certos em cortarem a terra com o arado, que os inimigos com a lança, encomendaram-se aos pés, que não lhe valeram, porque os ginetes Castelhanos, tomando-lhe o passo, mataram neles à vontade. Ao mesmo tempo chocavam os dois campos furiosamente, deliberados ambos, ou a morrer, ou a vencer. De uma, e outra parte, eram os Capitães tão ilustres, com valerosos, e cada um repetia o seu apelido [sobrenome], para que esta memória excitasse nos seus soldados o valor. Durou o conflicto grande parte do dia começando logo de manhã, até que a fortuna se declarou a favor dos Portugueses, ficando os Castelhanos vencidos tão fortemente derrotados, que se afirma, que dos quatrocentos homens de armas (cousa dura de referir, e de crer) não escapou nem um só com vida, e dos Portugueses, (cousa ainda mais dura) que nem um a perdeu, excetuando os lavradores, que por sua fraqueza e temor, foram mortos ao princípio. É sem dúvida que os Castelhanos padeceram grandíssima perda, e que os despojos foram restituídos aos Portugueses, e postos em sua liberdade os prisioneiros, dos quais muitos, trocada a sorte, prenderam aos que traziam presos. A infelicidade mais lamentável para os Castelhanos, foi morrerem nesta batalha; muitos, e grandes senhores, e que ocupavam grandes postos na Casa Real; Como João Rodrigues de Castanheda, Pedro Soares de Toledo, Álvaro Garcia de Albernoz, Pedro Soares de Quinhones, Afonso de Trugilho, e outros. 
Esta foi a famosa vitória, chamada de Trancoso, sucedida neste dia [25 de Abril], ano de 1385 e um das mais gloriosas, que o braço Português conseguiu dos Castelhanos, se se considerar a desigualdade do número, a duração do combate, a grande perda dos inimigos, e a pouca dos nossos.

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