O Padre Manoel de Elvas, Cónego secular da Congregação de S. João Evangelista, nasceu em Lisboa, onde se graduou Doutor em ambos direitos, e voltando para Portugal se fez Sacerdote, e foi logo privado em uma grande Abadia no Arcebispado de Braga. Nela residia como perfeito pastor, porque assentava este caro sobre os dois sólidos fundamentos, que tinha de Letrado, e virtuoso. Acabou de cear uma noite com um irmão seu mais moço, que levara para a mesma residência; e depois recolhendo-se cada um para o seu aposento, alta noite acordou o Abade, e ouviu sentidas vozes de seu irmão. Levantou-se sobressaltado, achou as casas às escuras fora do costumado, tentou as portas, e janelas, e achou que tudo estava fechado: chamou pelo irmão, e não lhe respondeu, chamou os criados, ascenderam luz, e com elas entrou no aposento de seu irmão, e achou os vestidos junto da cama, mas o irmão não aparecia. Não houve parte, nem recanto nas casas altas, e inferiores, que senão visse: as portas, as janelas, os postigos tudo fechado por dentro, o tecto, e pavimento das casas sem rotura: tudo isto via com evidência; faltava, sendo os seus mesmos olhos testemunhas juntamente de que era impossível a saída, e de que havia saído. Em sendo dia, procurou-se pelo circuito da casa, e pelos lugares vizinhos, pela Província, pelo Reino todo, e ainda pelos estranhos, sem já mais se poder descobrir nem rastro, nem notícia de tal homem. Entendeu-se, que em corpo, e alma fora chamado a juízo, e levado por impulso, e braço superior. Foi tal o pasmo, e sentimento do Abade, que nunca mais o viram rir em sua vida. Tratou de renunciar a Abadia, repartiu em esmolas o que tinha, e sem dar conta a pessoa alguma da sua resolução, caminhou a pé para Vilar de Frades a pedir ser, como foi, admitido ao grémio da Congregação dos Cónegos seculares. Na observância dos seus Estatutos, na frequência do Coro, nos exercícios da humildade, e caridade, nenhum era, nem mais fervoroso, nem primeiro. Teve grande dom de lágrimas, e muito alta, e contínua oração, porque ainda quanto tratava com os homens, não se apartava de Deus. Foi insigne mestre de espírito, e ilustrava juntamente a justos, e a pecadores. mostrando a estes o caminho da verdadeira penitência, àqueles o da maior perfeição. Estas heroicas virtudes atraíram a si, naqueles tempos, os olhos de toda a Congregação; a qual o colocou em diferentes Reitorias, e três vezes o elegeu Geral; e nestes cargos [como em lugar mais alto] se descobriu melhor o preço do seu talento. Sendo Reitor de Santo Eloy de Lisboa ordenou à instância do Cardeal Infante Dom Afonso, de quem era Confessor, o primeiro ofício das Horas Menores de Nossa Senhora, que se imprimiu neste Reino, como consta da primeira folha dele. Quando foi a primeira vez Geral, sucedeu furtarem da Casa de São Bento de Xabregas uma Cruz de ouro, que dera ElRei Dom Afonso V e fazendo as justiças esquisitas diligências por especial recomendação delRei Dom Manoel todas foram sem efeito; pelo que andavam tristíssimos todos os Cónegos, só o Padre Manoel de Elvas, que como Prelado devia ter a maior parte na dor, e no desvelo, dizia com muita paz, e segurança, que a Cruz havia de aparecer por intercessão de Santo António. Era ele devotíssimo deste grande Santo, advogado das coisas perdidas, em que também podem entrar as furtadas, e depois de dizer três Missas, invocando com muita fé, e devoção o seu patrocínio (guiado sem dúvida da luz superior) mandou um Cónego, que fosse correr, e examinar as estalagens da Vila de Setúbal; o qual assim o fez, e depois de se desvelar quanto pode na diligência, voltando já de Setúbal, desconfiado de achar o que buscava, lhe saiu um Religioso de São Francisco ao encontro, ao parecer de trinta anos, que lhe disse: Tornai, Padre, à estalagem donde saístes, que no vão de um tanho achareis o que buscais. Voltou logo à estalagem, e achou a Cruz no lugar advertido. Saiu a dar graças ao Religioso, e não o achou, nem notícia alguma dele. Teve-se por sem dúvida, que era Santo António, e as circunstâncias assim os mostravam com evidência. ElRei Dom Manoel, e toda a Côrte, tratavam ao Padre Manoel de Elvas com suma estimação, e como a homem, em que resplandecia igualmente a sabedoria, e a santidade. O mesmo Rei com frequência o mandava assistir, e votar no Conselho de estado, e ouvia as suas razões com grande atenção, porque sabia que falava sem respeito, sem amor, sem ódio, sem conveniência, e sem inveja; afectos, de que rara vez se acham despidos os Conselheiros. O mesmo Rei o nomeou Bispo da Guarda; e sendo esta eleição geralmente aplaudida de todos, só do eleito o não foi, porque não aceitou aquela dignidade. Com quase noventa anos de idade, e cinquenta, e oito de Cónego secular, morreu santamente neste dia [8 de Junho] de 1538 em Santo Eloy de Lisboa, onde jaz sepultado com grande distinção.
7 de jun. de 2019
O Pe. MANOEL DE ELVAS (8 de Junho)
O Padre Manoel de Elvas, Cónego secular da Congregação de S. João Evangelista, nasceu em Lisboa, onde se graduou Doutor em ambos direitos, e voltando para Portugal se fez Sacerdote, e foi logo privado em uma grande Abadia no Arcebispado de Braga. Nela residia como perfeito pastor, porque assentava este caro sobre os dois sólidos fundamentos, que tinha de Letrado, e virtuoso. Acabou de cear uma noite com um irmão seu mais moço, que levara para a mesma residência; e depois recolhendo-se cada um para o seu aposento, alta noite acordou o Abade, e ouviu sentidas vozes de seu irmão. Levantou-se sobressaltado, achou as casas às escuras fora do costumado, tentou as portas, e janelas, e achou que tudo estava fechado: chamou pelo irmão, e não lhe respondeu, chamou os criados, ascenderam luz, e com elas entrou no aposento de seu irmão, e achou os vestidos junto da cama, mas o irmão não aparecia. Não houve parte, nem recanto nas casas altas, e inferiores, que senão visse: as portas, as janelas, os postigos tudo fechado por dentro, o tecto, e pavimento das casas sem rotura: tudo isto via com evidência; faltava, sendo os seus mesmos olhos testemunhas juntamente de que era impossível a saída, e de que havia saído. Em sendo dia, procurou-se pelo circuito da casa, e pelos lugares vizinhos, pela Província, pelo Reino todo, e ainda pelos estranhos, sem já mais se poder descobrir nem rastro, nem notícia de tal homem. Entendeu-se, que em corpo, e alma fora chamado a juízo, e levado por impulso, e braço superior. Foi tal o pasmo, e sentimento do Abade, que nunca mais o viram rir em sua vida. Tratou de renunciar a Abadia, repartiu em esmolas o que tinha, e sem dar conta a pessoa alguma da sua resolução, caminhou a pé para Vilar de Frades a pedir ser, como foi, admitido ao grémio da Congregação dos Cónegos seculares. Na observância dos seus Estatutos, na frequência do Coro, nos exercícios da humildade, e caridade, nenhum era, nem mais fervoroso, nem primeiro. Teve grande dom de lágrimas, e muito alta, e contínua oração, porque ainda quanto tratava com os homens, não se apartava de Deus. Foi insigne mestre de espírito, e ilustrava juntamente a justos, e a pecadores. mostrando a estes o caminho da verdadeira penitência, àqueles o da maior perfeição. Estas heroicas virtudes atraíram a si, naqueles tempos, os olhos de toda a Congregação; a qual o colocou em diferentes Reitorias, e três vezes o elegeu Geral; e nestes cargos [como em lugar mais alto] se descobriu melhor o preço do seu talento. Sendo Reitor de Santo Eloy de Lisboa ordenou à instância do Cardeal Infante Dom Afonso, de quem era Confessor, o primeiro ofício das Horas Menores de Nossa Senhora, que se imprimiu neste Reino, como consta da primeira folha dele. Quando foi a primeira vez Geral, sucedeu furtarem da Casa de São Bento de Xabregas uma Cruz de ouro, que dera ElRei Dom Afonso V e fazendo as justiças esquisitas diligências por especial recomendação delRei Dom Manoel todas foram sem efeito; pelo que andavam tristíssimos todos os Cónegos, só o Padre Manoel de Elvas, que como Prelado devia ter a maior parte na dor, e no desvelo, dizia com muita paz, e segurança, que a Cruz havia de aparecer por intercessão de Santo António. Era ele devotíssimo deste grande Santo, advogado das coisas perdidas, em que também podem entrar as furtadas, e depois de dizer três Missas, invocando com muita fé, e devoção o seu patrocínio (guiado sem dúvida da luz superior) mandou um Cónego, que fosse correr, e examinar as estalagens da Vila de Setúbal; o qual assim o fez, e depois de se desvelar quanto pode na diligência, voltando já de Setúbal, desconfiado de achar o que buscava, lhe saiu um Religioso de São Francisco ao encontro, ao parecer de trinta anos, que lhe disse: Tornai, Padre, à estalagem donde saístes, que no vão de um tanho achareis o que buscais. Voltou logo à estalagem, e achou a Cruz no lugar advertido. Saiu a dar graças ao Religioso, e não o achou, nem notícia alguma dele. Teve-se por sem dúvida, que era Santo António, e as circunstâncias assim os mostravam com evidência. ElRei Dom Manoel, e toda a Côrte, tratavam ao Padre Manoel de Elvas com suma estimação, e como a homem, em que resplandecia igualmente a sabedoria, e a santidade. O mesmo Rei com frequência o mandava assistir, e votar no Conselho de estado, e ouvia as suas razões com grande atenção, porque sabia que falava sem respeito, sem amor, sem ódio, sem conveniência, e sem inveja; afectos, de que rara vez se acham despidos os Conselheiros. O mesmo Rei o nomeou Bispo da Guarda; e sendo esta eleição geralmente aplaudida de todos, só do eleito o não foi, porque não aceitou aquela dignidade. Com quase noventa anos de idade, e cinquenta, e oito de Cónego secular, morreu santamente neste dia [8 de Junho] de 1538 em Santo Eloy de Lisboa, onde jaz sepultado com grande distinção.
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