20 de mai. de 2018

GLORIOSO MARTÍRIO DE S. MANÇOS (II parte)

(ver aqui a I parte)

Altar de S. Manços, bispo e mártir.
Quis Validio com prorrogar a vida, fazer mais cruel o martírio do Santo, e da maneira que estava, pondo-lhe uns grilhões nos pés, o mandou servir numa pedreira, donde se arrancava pedra para as obras públicas da Cidade, e as noites passava no cárcere com os pés metidos no tronco, comendo tão pouca cousa, que dificilmente bastava para viver, quado o não sustentara a graça daquele por quem padecia tantos trabalhos. Viam-no Cristãos e Gentios, uns com lástima, outros com gosto: uns para edificação, outros para escárnio: e todos para admiração de tanta constância e sofrimento: e como no meio de seus trabalhos não deixasse de pregar quanto podia a lei de Jesus Cristo e de converter muitos a seu conhecimento, foi avisado o Presidente que se não pusesse remédio, se batizaria o povo todo, por onde foi chamado o Santo segunda vez a juízo. "Se conheces (lhe disse Valídio vendo-o ante si) que a dilação da morte nasce de minha clemência e a vida conservada entre tantos trabalhos, da benignidade dos deuses, agradecer-lhe-ás a eles o benefício de te darem tempo pra os conhecer e aplacares sua indignação: honra-os com sacrifícios como fazem os  Príncipes do Império, e eu o farei a ti com os cargos e dignidades que couberem em tua pessoa, e quando não ser-me-há força abrandar com ferro  a força de tua contumácia." Lhe tornou o Santo: "A experiência passada e a prontidão para outra semelhante, bastavam para te mostrar o pouco que podem comigo temores de teus tormentos, e o gosto com que me vês buscar a morte, o pouco caso que posso fazer das honras e pretensões da vida. Assim que minha lei é a de Cristo, meu nome é ser de Cristão, minha confissão sempre uma [única], e minha determinação morrer por ela: e se no particular dos deuses queres saber o que sinto, é serem na verdade mortos e insensíveis, e só vivos nas aparências, e não terem mais de divinos, do que nos troncos das árvores, e as pedras dos rochedos." Lhe respondeu Valídio: "perdidos são os bens em que busca descanso nos males, e pois tanto os estimas, fartar-te-e-mos à vontade.Dito isto, o mandou estender no cavalete, e atado mui cruelmente, o fez açoutar com varas, revezando-se os algozes depois de muito cansados, e não farto do muito sangue que lhe via correr de todas as partes do corpo, com novos instrumentos o espedaçaram, e lhe abriram a carne até os ossos, sofrendo o Santo: cansando os algozes; e desesperando Validio de ver sua crueldade vencida de tanta paciência: e como estivesse consigo cuidando algum novo modo de martírio com que satisfazer sua indignação, e lastimar o Santo, ele que sentiu chegar-se a hora de seu trânsito, pelo muito sangue que já tinha derramado, pediu a Deus o recebesse em seu Reino, e ouvindo uma voz do Céu que o chamava a receber a Coroa e palma de triunfo, deu aquela venturosa alma a seu Criador, que muitos dos presentes viram sair, e voar ao Céu em figura de pomba branca, deixando o corpo chagado nas mãos do tirano, que lastimado de ver que lhe faltava sujeito em que executar sua fúria, o mandou tanto que foi noite enterrar num monturo, com os grilhões e cadeias que tinha na ocasião do martírio. E como o tempo a que o levaram foi oculto, e a perseguição fez ausentar os Católicos, perdeu-se a memória do lugar em que o Santo corpo jazia (...)."
(Segunda Parte da Monarchia Lusytana em que se continuam as história de Portugal, etc.)

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